Pensamento...

A vida é uma janela que se abre no sem fim do Tempo.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

CÂNTICO



Hoje eu canto a árvore
Esse milagre que se eleva
Das profundas da terra mãe
Insondável alquimia
A fez germinar
E decidida brotar
Da negritude do nada
Feita vida irradiante
Por escatológico poder
Também ele impenetrável
Certo é que frondosa
Se ergue em galhos
Que ousados
Rasgam as malhas do azul do céu.
A árvore toca-me
No mais fundo do meu ser
Porque logra de alguma maneira
Falar-me da essência do amor
Que mora por detrás
De todas as coisas
E se a sua robustez
Tem a marca do tempo
Eu venero-lhe a memória.
Daí que olhando hoje
As três viçosas árvores
De que os meus filhos
Há muito
Foram entusiastas plantadores
Eu ajoelho à natureza
Por ver nela emergir
Aquele Poder que tudo pode.

Antonius  
  

sexta-feira, 22 de abril de 2011

SEXTA-FEIRA SANTA

Acabo de ler uma discrição de uma remota noite de sexta-feira santa. Ao entrar-lhe no que considero a sua alma, a sua razão de ser, a sua lógica, senti ressuscitar no mais profundo do meu ser a minha própria experiencia da infância, de adolescente e mais tarde do adulto que as circunstancias fizeram da pessoa que sou.

É tão rica a memória que guardo desse cortejo religioso, marcado pela simplicidade e pelo próprio anonimato que o colocava à prova de qualquer tipo de vaidade, tão rica de humanidade a sensibilidade que guardo dessa vivência enriquecida pelo bater dos bastões nas lajes graníticas da rua, mas sobretudo pelos acordes gradualmente menos distantes da marcha fúnebre de Chopin, que não posso nesta noite eximir-me dessa remota recordação, por razões que me são demasiado intimas e tocam o âmago da minha humana estrutura. Por isso não sei se me sobra coragem para voltar a assistir a essa cerimónia impar que não obstante se mantêm intacta na minha memória e na minha saudade.
Não sei com rigor onde termina o humano e começa o divino, mas sinto marejados os meus olhos e guardo profundamente cara a recordação dessa procissão de outrora.

Antonius


domingo, 10 de abril de 2011

NO DESPERTAR DO AMOR

À se me lembro mulher
Desse instante remoto em que me solto
E liberto de asfixiante carapaça
Feita de incontáveis e contidos impulsos
Pela primeira vez em ânsias
Deslizo sedento e sonhador
Sobre o teu corpo ululante
Vagos gemidos se anunciando
Para em dádiva desinteressada
Àquele que tanto e tanto te sonhou
Te dares nas primícias do amor
Ah como te sinto ainda ofegante
Num imperecível descontrolo
Ah como me afundo em ti
Cuidando atingir o inatingível
Como premindo as teclas do teu dorso
Que te comprimem até à medula
Como mergulhando-me em ti
Quase perco o sentido do eu
Afogando-me num fogo não sonhado
Imolando-me no calor escaldante
Feito de indizível amor

Antonius

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A CRISE

Há um ano a esta parte que neste nosso País a palavra que está na berra e é usada a torto e a direito é “crise”. Mais ou menos toda a população tem consciência de que vivemos, (não só nós, mas o mundo ocidental) uma crise de contornos não sei se bem definidos, mas que se anuncia coisa séria com que o ocidente se vai confrontar talvez por bastante tempo.

Mas se a dita crise envolve grande parte do mundo ocidental (por ventura repercutindo-se no resto do mundo), cada país vive-a e sente-a à sua maneira e também a intensidade da mesma diverge, dependendo muitas vezes em grande parte de factores endógenos. Muitas vezes de factores que podiam ter sido evitados ou pelo menos suavizados. O sul da Europa , pertencente ao mundo dito latino está a ser particularmente atingido e Portugal está tristemente na linha da frente. Digo tristemente por que pertenço ao número dos que pensam que alguma ou muita coisa podia e devia ter sido feita em termos de prevenção. Sim, acho que ao cidadão atento e sem necessidade de ser especialista, era visível há uns anos a esta parte que as coisas não podiam seguir indefinidamente pelo caminho por onde seguiam, havia que arrepiar caminho. Como naturalmente a nós portugueses é o nosso país que antes de mais nos diz respeito, vai para ele nesta hora a minha atenção especial. Abreviando, tem-se vindo a constatar que a nossa situação financeira é desastrosa. Todos sabemos e todos o dizemos que temos vivido acima das nossas possibilidades, num consumismo desenfreado, animados por um espírito de competição que às vezes é escandaloso.

Hoje mesmo o governo (que apesar de demissionário é ainda o que governa) acaba por decidir aceitar o apoio do FMI para poder enfrentar as suas dificuldades financeiras. Pressente-se que o país de um modo geral ansiava essa decisão, por não vislumbrar outro tipo de saída. Afundávamo-nos de dia para dia. Com esta decisão gera-se uma vaga de esperança.

A meu ver (ponto de vista generalizado) este pedido de ajuda ( para todos os efeitos acto de mendicidade mas a que o pobre tem que recorrer) deveria ter sido feito há bem mais tempo, mas a questão que se me coloca é bem mais grave: é que por muito bom que seja o espírito com que os estranhos nos apoiam (…) somos nós portugueses que temos de resolver o problema, pagarmos a quem ficarmos a dever e sermos capazes de reconstruir este país. Durante este ano houve 4 PECs, isto é pedidos aos bocadinhos, à custa do sacrifício da franja mais modesta, sobretudo os desempregados, que o resto da população por muito que se queixe e que fale em crise, esta ainda lhe não bateu à porta. O que penso é que o PEC (o primeiro) logo à partida devia ser coisa pensada, muito concreta a bater à porta da maioria dos cidadãos segundo as suas possibilidades. Sublinho a salvaguarda do sector efectivamente atingido, de grupos que começam a conhecer a fome, aqueles que não têm força para fazer greves, nem grandes nem pequenas.

Acreditei já que este país, apesar de pequeno fosse capaz de ultrapassar as suas dificuldades com inteligência e com tenacidade. Venho constatando com tristeza que de facto não merecemos mais do que ir na cauda da Europa, até parece que numa atitude protectora de quem vai a amparar os que vão na frente.

A hora que vivemos é séria, exigente para connosco e coisa importante que temos a exigir de nós é espírito de solidariedade. Não tenho estofo pessoal para dar um grande passo nesse sentido, mas há quem o tenha. Pois que ele seja dado e com urgência ainda que saibamos que ele vai mexer no bolso de cada um de nós. Tenho que dizer que sinto repulsa pelos desequilíbrios em termos de ordenados que vão por aí. Enquanto uns tem ordenados e pensões de miséria, outros há, não sei porquê, que se abotoam com vencimentos escandalosos, não falando nesse mundo de corrupção de que temos conhecimento ou que pressentimos. Não me venham com “capacidades” ou “aguçadas inteligências”, porque o que está provado é que ninguém é insubstituível.

Apetece-me terminar dizendo que na nossa pequenez física (refiro-me ao nosso país) seremos grandes quando formos capazes de, de punhos fraternalmente cerrados afirmarmos, aceitando que assim seja, que esses ordenados que são um escândalo passem a constituir em vez de razão de vaidade, motivo de vergonha. Sim, é que é vergonhoso que enquanto uns arrecadam verbas astronómicas, outros se confrontem com a fome.
Parece utópico, mas ainda espero que num espírito fraterno, solidário, de não endeusamento do dinheiro more o futuro deste País e então ele será grande e dele se orgulharão os nossos filhos.

Antonius

terça-feira, 5 de abril de 2011

Será que Existes?

Oh Deus, porque não existes? É tão lindo este mundo, há nele tanta coisa preciosa! Há sentimentos, coisas que sentimos lá bem nas profundas da alma que nos estremecem, trazem até nós sentires inefáveis como esse a que chamamos Amor.
Este fala-nos numa linguagem muito própria, inatingível para a nossa inteligência mas que a nossa sensibilidade misteriosamente agarra e digere em delírios enternecedores que nos despertam o espírito e estremecem o corpo físico que nos acompanha.

No meio de tanto encantamento, como não existes oh Deus? Como vibra em nós esse sentimento fabuloso, inigualável, mas também outras sensibilidades que não têm preço, como a Amizade, apesar dos riscos de ser enganadora. Isto no que respeita ao nosso mundo interior e às efabulações da nossa mente. Mas oh Deus! Tu não existes apesar dos meus argumentos, mas há mais: há todo um mundo fantástico ao alcance daquilo a que chamamos sentidos e que alcançamos através dos nossos olhos, dos nossos ouvidos e de outros agentes físicos. É que com os olhos eu vejo a natureza, vejo os rios e as montanhas, as quedas de água, os desfiladeiros, os prados verdes e as árvores, esse milagre cresce e se torna frondoso e dá frutos que são delicias, tudo isto por obra e graça não sei de quê. E os meus ouvidos? Se os não tivesse ou por absurdo não funcionassem, eu não ouviria coisas maravilhosas, como o murmúrio das águas, o canto do rouxinol, a Tosca de Puccine, o alarido das crianças, a voz de uma mulher. Além disso, apesar de não existires, como pode oh Deus existir o sol, essa lua que sempre apaixonou os mortais.
Eu sei que há sofrimento também, e que tantas vezes tortura a alma. Eu conheço-o. Quase todos o conhecemos. Mas justamente porque ele existe, Tu devias existir, para aplacar os demónios que o injectam na vida dos homens.
Sinceramente, acho absurdo que não existas para que nós, pobres criaturas ignorantes víssemos lógica, entendêssemos o fantástico da vida e interpretássemos o porquê do sofrimento. Sabes uma coisa? Eu às vezes penso que Tu se calhar até existes, por aí escondido algures, atrás de um penedo no cocuruto de uma árvore, no cimo de uma montanha ou com mais lógica ainda, por detrás das estrelas. Só que escondido. Mas escondido porque? Pensando bem, talvez haja lógica nessa coisa de te ocultares aos olhos dos homens. O que seriam eles, o que seriamos nós se te víssemos, se estivesses ao nosso alcance? Acho que tenho que concluir que o homem só consegue ser homem às escuras, isto é, não Te vendo. No dia em que Te visse estaria chegado ao cume da montanha, teria acabado o tempo.
Sabes uma coisa? Às tantas Tu até existes, só que para nossa realização plena, fora do nosso alcance, apenas nos dando a chance de Te pressentirmos.

domingo, 3 de abril de 2011

PENSAR É FOGO

Hoje surpreendi-me ao dar comigo a pensar. Pensei, pensei até à exaustão e de tal modo que às tantas senti necessidade de parar de pensar. Mas não foi fácil. Eu queria parar de pensar e não conseguia. Quanto mais me esforçava, menos conseguia, até que me cansei de me esforçar por parar de pensar. Por isso achei que o melhor era continuar a pensar, talvez pensar mais sinceramente, como diria o poeta.
Nesta hora em que penso (pelo andar da carruagem não sei bem se tenho horas em que não pense, vazias, brancas, será que há disso?), estou sentado num penedo que dá alguma imponência à eira da casa dos meus avós maternos. Depois de pensar e deixar de pensar, voltei a pensar mas agora muito sinceramente naquele penedo, no que terá sido a sua vida, quem o plantou ali e quando, há quanto tempo? Estou farto de ver este penedo e nele nos sentarmos, os da casa nas noites da grande lua, desfiando canções de me fazerem remontar ao tempo em que outras gentes, porventura do mesmo sangue entoavam amorosas canções de Amigo. Mas reflectir no seu nascimento, no tempo que ele tem, em quem o plantou e como, isso não, nisso nunca tinha pensado –ignorância minha.
Dizem que a terra no princípio era fogo. Será que este penedo algum dia foi fogo? Mas que pensamento louco! Louco não, lúcido é o que ele foi. A verdade é que acabo de fazer uma viajem fantástica ao tempo em que este penedo foi fogo! Mas tão importante como esse fogo, bem mais ainda, há-de ter sido o fogo humano que nele terá acontecido em noites de lua cheia como aquela outra, em que dois seres se deixaram devorar no fogo do amor, e quantas vezes por esse tempo que não tem fim este mesmo fogo terá incendiado corações.