Eu nasci hoje. Quero dizer eu hoje ganhei uma consciência nova de que nasci, a certeza de que isso aconteceu. Não interessa que tenha sido hoje, interessa é que eu nasci. E se nasci e ainda não morri, eu estou vivo, e se estou vivo, alguma coisa tenho a fazer, de alguma coisa me incumbiu quem providenciou para que eu exista. Os meus pais tem culpa, ou melhor, devo-lhes o dom e a divida de me fazerem mexer e integrar nesta coisa que ainda me estou a perguntar se é fantástica, que é viver.
Acho que não tenho que me perguntar a esse respeito, porque acho que é mesmo fantástica. Mas atenção não é indolor viver.
Não sei se os meus pais, como intermediários que foram desse milagre que é a vida tem alguma responsabilidade pelo facto de eu viver. Acho que não, meros intermediários, sem terem que ter qualquer ciência para me por no mundo, e aí é que está o fantástico. É que eu sou fruto de um mero impulso, sublime impulso, mas que nem exigiu – ou terá exigido – qualquer tipo de ensaio ou preparação. O impulso aconteceu ditado, em princípio, por uma atracção física e mental – bastaria que fosse física – para que essa coisa fantástica que sou eu viesse ao mundo, isto é, acontecesse. Ninguém se escandalize por dizer-me fantástico, porque não me refiro a mim em exclusivo, mas a todos e cada um de nós sem excepção. Sim, o escultor e o marceneiro fazem trabalhos fabulosos, mas apesar da fábula que eles são, são coisa morta. A própria obra prima de Miguel Ângelo, apesar da martelada que o mestre deu para que desse sinais de vida, continua morta. Quero dizer, continua sem sinais de vida.
Eu e tu que me lês e todos aqueles, viventes (basta que sejam animais) pura e simplesmente vieram à vida fruto do impulso de que falei. Quero dizer: todos (em principio) sabemos e somos capazes de fazer filhos sem prévia aprendizagem do quer que seja. Do corriqueiro que isso é, nem nos damos conta da grandeza do que acontece.
Mas milagre, isso é que é.
Antonius
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