Todos os dias passo por mim, mas nunca me olho. Decerto porque estou cansado de me conhecer, quiçá cansado de mim.
Hoje dei comigo olhos nos olhos e não sei que força me travou o passo. Mas parei e olhei-me e surpreendi-me comigo mesmo. De repente, quase tive dúvidas se era eu que estava ali na minha frente, mas logo vi que era.
Há traços, há curvas, diáfanos e imperceptíveis desenhos num rosto que o tempo não logrou desvanecer. Agora tudo é claro, apesar das remotas e profundas marcas do tempo. Marcas que neste instante não vejo, mas estarem vivas em mim, profundas e inapagáveis.
Naquele eu que está na minha frente, está esse outro eu de há muito, que tenho desconsiderado com a minha indiferença. Nesta hora, estou a gostar de me ver ainda não toldado pelas ditas e inexoráveis marcas. Só não gosto do meu cabelo. Tem a risca ao meio num rasgo quase simétrico, a conferir-me um ar que voga pelas bandas do caricato. Não, não gosto do meu penteado desse eu que tenho na minha frente. Mas estou a gostar de me ver, porque olhando-me desde aquele tempo, vejo toda uma vida transbordar de coisas, de acontecimentos, sentimentos, emoções. Eia, tanta coisa se passou comigo neste longo entretanto. Conheci horas felizes, mas conheci a amargura sem limites. Conheci a amizade mas acima de tudo cruzei-me e senti-me devorado pelo amor.
Acho que pela primeira vez e neste preciso instante, tenho consciência do que é o tempo, do que ele faz em nós, da oportunidade que ele nos dá de vivermos, afinal, daquilo que é estar-se vivo, isto é desfrutar da luz da janela da vida.
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