Pensamento...

A vida é uma janela que se abre no sem fim do Tempo.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

RELANCE NA MADRUGADA

Vai alta a noite e o luar inunda as paredes azul anil do meu quarto. Óbvia sombra vai conquistando a parede do meu lado. É que do outro lado da minha cama, percorrido o lençol pela minha mão tacteante não encontra as teclas da cor do mel que cobriam o teu corpo ondulante, de quando em quando, sempre, vibrando no frémito do amor que outrora ambos conhecíamos, vivíamos, nos engolfava corpo com corpo, alma com alma, até ao êxtase, e repousando na merecida serenidade.
Enquanto assim vivo na lembrança, a sombra avança na parede do meu lado, que do outro lado não há ninguém. Ausência em cicatriz, num gesto violento arremesso o lençol que me cobre e a cobriria a ela, se ela houvesse e assomo num lanço à janela. Atiro os meus pensamentos ao largo num esforço de reformular os meus caminhos desta noite, tento aperceber-me de coisas novas, de algo por descobrir. Nesta noite fujo por medo do amor de nele centrar o meu pensar. Ergo o meu olhar e olho as estrelas e revejo a lua e noto que esta desde que há pouco acordei, andou, prosseguiu a sua rota, porventura rota milenar. As estrelas mudaram de sítio, a folhagem remexe. O dique o meu cão ladrou e deu uma corrida pelo quintal. Algo chamou a sua atenção que não a minha. Quer dizer que muita coisa mudou de sítio. Concluo que durante este pequeno espaço de tempo, justamente aconteceu tempo, o tempo andou. E o tempo andou porque as coisas mudaram de sítio, porque o cão correu, porque as folhas mexeram, porque ouvi já o canto de um cuco madrugador, porque a lua percorreu um espaço da esfera celeste. Neste pouco tempo aconteceu tempo. Mas eu tenho pressa em que o tempo aconteça e altere os meus dias, sobretudo as minhas noites e me dê oportunidade de estender o meu braço e encontrar as preciosas colinas, o delicioso fundego, o inenarrável encantamento da mulher que quero voltar a ter envolta em mim enlaçando-me, com quem preciosa harpa execute a mais bela melodia, o mais assombroso concerto.

2 comentários:

  1. Antonius,

    As tuas prosas têm um sabor ao tempo que nos passa a correr, mas com o pensamento na música que nos embala a noite.

    Os adjectivos aqui serão sempre poucos, tal a dimensão das tuas palavras.

    bj

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  2. Deliciosa prosa (ou poesia?)que se lê uma e mais vezes. Igual a ti próprio, orgulho-me de te chamar amigo e contigo pessoalmente trocar ideias e pensamentos. E sinto que cada leitura de um texto teu e também cada encontro é um passo na caminhada para melhor me conhecer e tentar reencontrar-me. Obrigado.
    Albano

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