Pensamento...

A vida é uma janela que se abre no sem fim do Tempo.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Sou Filho De Um Sonho




Não, não mates os sonhos que há em mim
Não ouses derrubar aquele que sou
Pondera o gesto ameaçador
Aquele que oculta, que esconde
O punho cerrado, demolidor.
Não mates os sonhos que há em mim
Que eles são do tamanho do mundo
Espiral que não tem termo
E sítio ermo não busca, cobarde.
Olha-me nos olhos mas sem trave
Lê meus pensamentos sem alarde
Ausculta-me se fores capaz.
Atenta que sou filho de um sonho
Um sonho que foi grande
A conceder-me dignidade
Para que seja aquele que sou.
Não, não mates o meu sonhar

Antonius



Será que ainda é Natal


O natal é saudade
Júbilo de remota infância
De que o tempo
Esse fazedor de lembranças
Se fez inusitado portador.
Exorcizando os meus temores
Na velha cozinha ouso entrar
E dos sessenta anos decorridos
Chegam até mim inefáveis
Natalícios odores
Enquanto na lareira o fogo crepita
A chaminé é a do menino Jesus
Que há muito, abusivo,
O pai natal do seu trono depôs
O presépio adivinho-o no mesmo sitio de outrora
Ouço as vozes de antigamente
Sinto o natal no recôndito da alma
Naquilo que passou, naqueles que já não estão
Vertigem é este terno sentir
Que a verdade que de mim se apodera
Não passa hoje de quimera
De frenesi, consumidor bulício
Perdeu o espírito, coisificou-se
Será que entretanto o homem cresceu
Para que ainda haja Natal?

Antonius



segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

QUANDO UM HOMEM SONHA



Amar é mergulhar no sonho inefável onde moram os Deuses. É transpor a linha do horizonte de onde se vislumbra um além que está fora do nosso alcance.
Amar é imaginar-te para além da túnica de cetim que separa o teu corpo dos meus olhos em ânsia. É ver não te vendo porque é mais adivinhar-te. É quase ultrapassar a linha da vida mas é finalmente, subtil, pé ante pé, no silêncio da noite, tocar-te, afagar-te, perder-me em ti, deixar-me afogar nos teus encantos. Amar-te é guardar-te em mim para uma posteridade que não tem limites.

ETERNO RETORNO



















Anda, dá-me a tua mão

Faz exultar meu coração

Com o teu calor de há muito.

Anda, afasta o tempo

Antes que o tempo

Se faça hercúlea muralha

Acorda, faz deste momento

Esse outro remoto instante

Que cavalga no oposto.

Anda, escuta a minha prece

Olha que o amor não fenece

E esse calor que eu senti

Amorosamente

Queima-me ainda as mãos.

Antonius

CORCEL PACIFICADOR


Desavindo tem estado o tempo
Canícula, chuva, granizo a granel
Incontornável a força do vento
Tremida a própria torre de Babel

Nos céus desta terra há turbulência
Insegura a nave no Espaço
Nunca vista tanta inclemência
Que o bom senso mostra-se escasso

A nave poderosa vai lotada
Atirada aos céus com eficácia
Mas de tal modo na borrasca enleada
Que dela se exalam ventos de «desgracia»

Entretanto o bom senso se anuncia
Dando mostras de serenidade
À tomada de confiança se alia
A retoma da sabia verdade

Serenada a torre de Babel
Desliza tranquila a nave no Espaço
Apesar da borrasca ter sido a granel
A vontade do homem em brioso corcel
É portadora de pacificador laço.

Antonius

NOITES DA MINHA TERRA



Apetece-me ir às noites da minha terra, ver a lua e o tremular das estrelas, algumas que pelos vistos não existem já. (Isto de eu ver uma coisa que não existe faz-me confusão). Gosto de ver aquelas muito escassas luzes descerem a montanha da banda de lá do rio (era um ou outro carro na estrada da Lixa).
Como fico deslumbrado ao pegar no meu candeeiro a petróleo e recolher-me ao meu quarto – levava comigo a luz preciosa que me alumiava e ajudava a estudar a lição do dia seguinte.
Como, vendo já mal, eu via na noite e me conduzia sem apêndices nascidos da inteligência humana. Esta não era precisa, bastava-lhe uma réstia para que o essencial acontecesse, os filhos se fizessem e nada obstasse a que os bacorinhos nascessem, as aves chilreassem e as arvores crescessem indiferentes à quietude da noite.

A esta hora não há mulheres a catarem os piolhos à porta de casa. A propósito: dizem que estes parasitas têm um pénis monumental (para o seu tamanho, é claro).

Noutro dia o Zé Melro, que já tem catorze anos, disse-me ao ouvido: a tua vizinha Esmeralda é boa como milho. Hoje depois do jantar ela foi a nossa casa falar do seu exame. A minha mãe fez um comentário simpático, porque ela ia bem arreada, com meias de nylon e sapatos de tacão. Sentada na nossa preguiceira, a certa altura cruza as pernas, ao mesmo tempo que lhe sinto o roçar, que me fez estremecer. Não entendi logo o que se passou comigo mas que me recordou aquele comentário do Zé Melro. Então estremeci mesmo e a partir desse dia também eu fiquei ciente de que a Esmeralda era mesmo boa.

Nesta noite está acontecer um milagre na minha casa. Aquilo a que chamam rádio está a dar música que eu nunca ouvi e noticias, que são da guerra. Ninguém na aldeia tem um aparelho destes e que, pelo que diz o meu pai, só funciona graças a um fio que o liga à bateria do carro. Não sei como é que a música e as notícias correm por aquele fio. Este mundo deve estar doido.

Na hora de deitar chego à janela e na escuridão total distingo a linha que separa o céu das montanhas do Marão. Ao atentar nela recordo-me de que foi a minha avó Deolinda que uma noite me chamou a atenção para esta linha e me fez olhar a lua com olhos de ver. Recordo esse tempo com saudade e ao lembrar-me da velhinha da minha avó, fico a perguntar-me, com um sentir quase sacrílego, sobre se também ela algum dia despertou em algum rapaz do seu tempo sentimentos como os que acordaram hoje em mim para a Esmeralda. Claro que sim. Mas … eu acho que esta noite vou sonhar com a Esmeralda.


AQUELA NOITE

AQUELA NOITE

Ela vem ai eu sei
Não são os olhos do corpo que mo dizem
Mas aos da mente não passa indiferente
Ela vem ai, a noite
Sinistra impiedosa impante
Investida de poderes régios
Passo sereno, compassado
Mas cônscio determinado
Traz contrastante um camafeu na lapela
É verde esmeralda
Em contra-ponto com a túnica
Da cor da negritude
Por detrás do seu busto, deveras ténue
Um luzeiro se vislumbra
Como a forçar para a penumbra
Dantesca figura
Da noite que se adivinha.
Não, não é a noite de todos os dias
Não vem engalanada
Com constelações
Nem sete strelo nem Orion
Não deixa entrever a via láctea
E não trás lua que dê luar
De rotunda escuridão feita mar
É noite que não tem retorno
Que não reconsidera
Portadora de felina alma
Implacável fera
É a noite que se avizinha.


Antonius

A OUTRA METADE DE MIM























Tu és aquela que me apascenta
E mata a sede que há em mim
Tu és primícia, etéreo enlevo
Fonte primeira do ser
És cascata densa, em vertigem
Que se esconde nos mistérios da montanha.
Tu és o sonho que me acalenta
Mas às vezes desperta, enfim…
Áurea fonte que me dessedenta
Cristalina, nata nas profundas da terra
E emerge em tufos de alecrim
Tu és aquela que me arrebatas
No lusco-fusco da aurora
Epiderme da ternura que me envolve
Envolta em túnica de cetim
És lírio da montanha
Terra que o homem já não amanha
Apenas porque és
A outra metade de mim.

Antonius

MERGULHO INTROSPECTIVO

MERGULHO INTROSPECTIVO



Às vezes preciso de ir ao fundo de mim, apesar de antemão saber que nunca logro esse objectivo. A dada altura uma estranha névoa estorva-me de ver. Mas o mergulho ai vai, empurrado por uma rajada de confiança em mim.
Ao fim e ao cabo eu quero respostas, as definitivas e, com a névoa na minha frente, o mais profundo que consigo descortinar mora entre Deus e o Absurdo. Via de regra esbarro com uma corda bamba: se Deus existe, repulsa-me o Absurdo; se não existe, tolero-o.
Se o Absurdo se me evidência esvai-se-me a percepção de Deus. Feitas as contas, ou Deus ou o Absurdo.
Mas se o Absurdo existe, na minha cabeça não cabe Deus. Mas com ou sem absurdo, apesar de tudo, Deus impõem-se-me, e vivencia-se-me.
Apesar do Absurdo que possa estorvar-me de apreender Deus, aí eu não estou com contemplações. Impõem-se-me definitivamente mais a necessidade de Deus do que o absurdo do Absurdo.
Rajada pretensamente introspectiva, com pleno respeito por quem pense de forma diversa.

Lucius Antonius

domingo, 19 de dezembro de 2010

Carta - Desafio de Amizade [Onix - LuciusAntonius]




Carta de Amizade da autoria de Onix
(Dimensão XIX Amizade) - Clique aqui


Resposta - Comentário de LuciusAntonius


"Querida amiga
A ti a quem não conheço mas com quem sinto necessidade de comunicar neste momento, decerto porque conheço já alguma coisa, talvez bastante coisa da pessoa que és e que tenho colhido em escritos teus só por si, as considerações de que tenho sido testemunha, falam-me de uma mulher que não está distraída nos passos que dá, no mundo em que vive, naquilo que os seus ouvidos ouvem mas, ouso dizê-lo, daquilo que os teus olhos vêm. Mas bem mais do que isso, naquilo que a tua mente pensa, nos limites aonde ela chega.
A tua carta foi um desafio, que não considero comum. Comum seria uma abordagem sobre o Mourinho ou o Cristiano Ronaldo. Dá a impressão de que eu percebo de futebol, aliás não é proibido perceber-se, mas o pouco que eu percebi há muito tempo, foi-se desvanecendo. Daí me é estimulante falar com alguém de quem me sinto tentado a ser amigo sem entrar naqueles meandros. Estou a achar imensa graça e ao mesmo tempo a sentir seriedade e importância a esta tentativa, única para mim, de abordagem. Gostaria de como condor, elevar-me a altos voos, às latitudes que são as tuas. Esse complexo quase me inibiu de responder à tua carta mas, repensando, considerei que não era fundamental. Podemos ser sofríveis na nossa capacidade de comunicar e no entanto existir um lampejo de inteligência que justifica a comunicação. Devo dizer-te que gosto das palavras e das esculturas que com elas se fazem mas, se me fosse exigida a opção, eu poria em primeiro lugar a música e, já agora, a titulo de sugestão, uma peça que transporto desde a minha adolescência, quando fazia parte de um Orfeão. Refiro-me aos «Barqueiros do Volga» seria interessante que tivesses a interpretação que eu possuo. Mas eu estou a adiantar-me. Quem pode falar de preferências em música, sugerir melodia? É um mundo tão subjectivo! Mas afinal estimada amiga há tanto para dizer, tanto sobre que divagar. Neste instante sinto vir ao de cima de novo o complexo do plano em que decorrem as minhas considerações, tão modesto em confronto com o teu. Para terminar e porque é importante quero dizer-te que a amizade considero-a algo sem preço e que tenho a felicidade de amar. Acho que abusei da tua paciência e certamente fui rasteiro nos meus considerandos. Mas esta vida reclama de nós alguma ousadia e foi essa que consegui arrebanhar de mim no momento em que decidi escrever-te. Aceita a amizade deste estranho mas que tem razões para te apreciar.

(De um homem, para uma Mulher amiga )

Um abraço
Antonius"





Resposta - Comentário de Onix
"Antes de mais, agradeço. Imensamente agradecida pela sua comunicação, que me entrou como ponto certeiro, num Domingo de sol, de praia e de mar. Uma missiva que veio de alguém com a imensa capacidade de doar-se até ao limite, sendo que, considero que não há limite para qualquer forma de dizer-se e ser-se, e doar-se quando a génese é, sempre lá esteve e nunca se esvai. Simplesmente É, um conjunto de várias formas moldadas a nosso jeito. Tal como o homem molda o barro com as mãos, os nossos sentidos moldam as formas, formando um conjunto de emoções que nos faz ir longe. Tal como o voo do condor, assim eu me sinto, levitando na sua sombra até ao limite que ele me impuser, mas sempre tentando criar mais e mais limites, até atingir um estado que não pode ser medido por qualquer ponto na altura. (Será sempre desajustada ao soalho esgaço onde danço, e me enlaço, e me refaço). Por isso deixo-o voar alto e vou até ao ponto, onde encontro o meu voo, aquele que me direccione em sentido inverso, ao encontro de uma atmosfera que me faça respirar de novo e dizer que quero, mas quero muito elevar-me à plenitude de todos os seres que comigo queiram respirar.

Há nessa sua vontade, uma vontade minha, um querer demasiado, um sentir que me leve para longe, estando perto. Foi sempre essa, uma força minha de me encontrar em palavras que me são familiares, que me digam - fica, para comigo dançares a melodia intrínseca ao nosso caminhar. Há nas pontas dos nossos dedos um toque sereno, para que ao levantarmos um dedo, os outros o sigam em silêncio. Melodias de um corpo pronto para dançar e se enlevar, através do toque, e também de tons vários em sintonia com o mundo que somos. Preparar os ouvidos para esse exercício, quando as melodias nos entram e as deixamos penetrar-nos, sentindo a força do mar, trazendo-nos ondulações em vários tons, cores e sabores, é deitar-nos na areia, dançar, e deixar o corpo seguir até passar a linha do horizonte. Um corpo deitado na areia a dançar: primeiro balançando as pernas e com os pés desenhando pautas de música na areia; segundo oscilando o tronco, desenhando melodias num espaço aberto a quem lhe quiser tocar; terceiro, levantar os braços e desenhar no céu, um conjunto de versos; de letras prontas para nos levantar, e por último, com os dedos pentear os cabelos e decifrar-lhes as cordas de uma guitarra, viola, bandolim ou violino, e com elas tocar, até que as ondas do mar, afinem as cordas vocais atingindo por fim, um estado emergente, que nos faça alcançar todos os tons. Mergulhar no mar e sentir que a água que nos molha o corpo, molda-nos também a alma, pronta para perceber, que quando o sol se for, as cores ficaram através de uma escala maior, que toca a par com as cores do arco iris, São sete, assim como sete os ciclos que nos fazem ir, sem parar para depois regressar.

Penso que agora sou eu que estou aqui a pensar, ao perceber que está aí alguém pronto para me dar o imenso prazer de o ver melhor, de o sentir através de uma comunicação mar adentro, para comigo dançar uma ondulação diferente, onde as palavras sejam as notas musicais para uma melodia, onde os sentidos estejam alerta. Fui ouvi-lo nos seus “Barqueiros de Volga” e vi-me consigo a duas vozes, se eu tivesse ainda voz para o alcançar e olhos para o poder visitar “sem entrar por meandros”. Irei tentar. Prometo estar atenta ao seu pensar, à sua forma de comunicar, que por sinal, veio na hora certa. Sempre que penso em ir-me para perto do mar, ouvi-lo nos seus profundos sinais, alguém me diz: Vai mas volta porque aqui há mais, muito mais para ouvires, sempre que te deites sobre as palavras e lhes dês formas, alterando-lhes as formas iniciais.


(De uma mulher, para um Homem amigo)



Onix"

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

QUANDO AS MÃOS SÃO ROSAS

 QUANDO MÃOS SÃO ROSAS


 
A natureza foi pródiga para contigo
Deu-te coisas que são rosas
Baixelas preciosas
Que proliferam entre espinhos
A natureza dotou-te
Com coisas mimosas
Feitas pedaços de ti
Que te conferem
Os poderes
De ouvir, ver e falar
De rir, chorar e até cantar
De ser feliz e amar
Enfim
Semeou rosas no teu jardim
Mas a natureza deu-te mais
Por ventura
Prosaicas aparentes coisas
Deu-te mãos
Imaginem mãos
Com estranhas protuberâncias
De uma maleabilidade infinita
Prodigiosas mãos te deu
Fontes de carícia sem fim
Tornadas também
Rosas do teu jardim
Porque capazes de realizarem
Coisas que nunca sonhaste
Coisas que há muito esqueceste    
Coisas para que já te não sobejou o tempo
Mas agora novos trunfos
Que te enchem os olhos de surpresa
Aos outros encantam
E me fazem acreditar
Que com as próprias mãos nós podemos
É nos dado o direito de sonhar.

Antónius

PARA TI

PARA TI
O amor com que te amo é lendário
É diamante, não sonhado privilégio
É sede que quero ter, é lampadário
É fogo que arde em mim em sortilégio

O amor com que te quero foi já sonhado
Num misto de rubis e ouro puro
É vaso de cristal inacabado
Dos sonhos o maior que eu auguro

O amor com que te amo é sol nascente
Telúrica erupção dos amores de amante
É fome que quero ter, fome inclemente
É esquecer-me de mim em sonho galante

O amor com que te amo é loucura
É desnorte, alienação
Mas no enlevo da ternura
A mais fogosa e ardente canção.

Antonius

OS MEUS PASSOS

OS MEUS PASSOS

Anelo os meus passos
Pétalas do meu caminho
Lírios do tempo que foi o meu
Que percorri
De nobre intento uns
Outros tantos em descaminho
Ora célere ora de mansinho
Levado por razões mil
Necessidades tantas
Sonho sem medida
Brandos motivos alguns
Gélidas razões outros
Mas passos que foram os meus
Fizeram o ser que sou
O eu que mora dentro de mim
E às vezes extravasa.
Sim, anelo os passos que dei
Por ventura fora de compasso, alguns
Inoportunos outros
Outros ainda de escolhos infestados
Mas passos que foram os meus
Por isso lhes quero
Cúmplices do meu caminhar
De alguma forma
Fazendo parte de mim
Como lhes não hei-de ser grato
Venerá-los no meu trato
Sem eles
Não teria ido aonde fui
Não iria aonde vou
Não estaria aonde estou
Definitivamente
Não seria aquele que sou

Antonius

ONTENS QUE FORAM MEUS

ONTENS QUE FORAM MEUS

Eu cá por mim sou feito de ontens. Pelo menos é a conclusão a que chego se me debruço sobre o problema, sobre em que marcenaria fui feito e quais os artificies. A hipótese de ser feito de hojes acho que não se põe, porque não deu tempo. Os amanhãs estão ainda  para acontecer, se acontecerem. Por isso nem sei se me dizem respeito. Respeito dizem-me os ontens, o que eu fiz, o que eu não fiz, o que eu quis fazer, o que não quis fazer, o que gostei e até degustei, o que não gostei, a mulher que amei e até a que desamei. Ontens de encanto ou de dor estão nos muitos que eu pensei, naqueles outros tantos que sonhei, nos pobres que não esmolei, naqueles para quem fui pródigo, nas crianças que me inspiraram ternura, nas mulheres que acordaram em mim indizíveis sedes que irradiavam de olhos cor de mel, de seios que se impunham ao olhar mais distraído, de ancas cinzeladas por carismático escultor, por ventura a sugerirem preciosos bordões de nem sonhados Stradivarius. Mas não pode ficar-se por aqui o meu pensar. Não se pode ficar pelos êxtases que os houve. Se houver amanhãs, que haja neles deslumbramentos, tenho mesmo o dever de os agarrar. Desejaria, sonho por aí, tenho obrigação de lutar por esses hipotéticos amanhãs onde se extinga a demagogia e a injustiça e impere em todas as dimensões a Humanidade. Sejam assim os amanhãs do meu sonhar de hoje.

Antonius

O TEMPO

O TEMPO


 
            Não há criatura humana que o não tenha desejado em algum instante da sua vida, fosse qual fosse o pendor – mais material ou menos – das suas motivações.
            De facto, por muito que o quisesse, ninguém até hoje logrou “agarrar” essa coisa que é o tempo.
            Se por desvairado que ande , é possível deter o passo do vento ou orientar-lhe a fúria, o mesmo não sucede com o Tempo. Esse, esvai-se-lhe lesto por entre os dedos. Nem o sofisticado da técnica se atreveu a desviar ou alterar o ritmo do Tempo, nem na cabeça do sábio coube ainda semelhante projecto.
            O Tempo é inexorável como a morte. Talvez a única coisa que lhe é igual na fatalidade. Um acontece no preciso momento em que tem de acontecer. O outro, subtil, dissimulado, passa, passa imparável. Ambos implacáveis. Cúmplices, são complementares na sua função. Um é o caminho que leva ao outro.
            É no Tempo que tudo acontece. A Vida, a Alegria; o Sofrimento e a Morte. O próprio Amor acontece no Tempo e mais do que em nada ele é vertigem. Se na dor o Tempo quase pára, na felicidade ele é relâmpago.
            Demasiado importante – apesar dos maus humores – para que seja desperdiçado, ele é malbaratado de mil e uma maneiras. Quantas vezes, julgando que o vivemos, o estamos a destruir. Só que ele não se comove, e prossegue imparável o seu caminho.
            Se, em princípio e com lógica, é a actividade que sugere a real vivência do Tempo, muitas vezes tal não passa de enganadora miragem. Acontece quando nos deixamos enlear e aturdir pelo frenesi coisificante que, se nos traz vantagens de alguma ordem, nos esvazia o espírito.
            Por isso é que, se em principio é a actividade a mentora do correcto enchimento do Tempo, não deixa de ser imperiosa a necessidade da paragem no Tempo – paragem dinâmica, retemperadora – capaz de nortear e legitimar essa actividade. É aí que o homem, se não agarra o Tempo, consegue viajar nele por enriquecedores instantes.
            Como tudo o que, com desespero nosso, nos escapa, também o Tempo é tema aliciante para quem ousou interpelá-lo alguma vez na sua caminhada veloz.
            Viver é acompanhar o Tempo por algum tempo. Talvez seja crime entrar e sair do Tempo sem arranjar tempo para com o Tempo dialogar.

Antonius

O PESO DAS PALAVRAS

O PESO DAS PALAVRAS
Com palavras me expresso
Com palavras digo o que sinto
Às vezes o que não sinto
Com palavras às vezes minto
Porque se disser que não minto, minto
Com palavras digo quem sou
Com elas vou às profundas de mim
Interpelando a minha verdade
Ao recôndito de mim me apresto
Na palavra que pode não ser
Mais do que coisa pensada.
Com algum talento ou sem ele tratada
Que ninguém me diga
Que a palavra é inócua
Porque é indolor e não tem gosto.
A palavra muitas vezes cura
Ela é sadia, oportuna, ela é amorosa
Portadora do bem-querer, da amizade
Da alegria e da verdade
Mas a palavra pode ser rotundamente venal
E se fisicamente não provoca dor
Ela muitas vezes fere, faz mal
Vergasta a alma, faz sangue
A palavra às vezes é mortal

As palavras, não as leva o vento.
Porque é o espírito que as dita
Deveriam ser de mansidão
Mas nem sempre o bom senso as inspira
É que quando insidiosas
Elas não são mais do que
A lava rubra, escaldante, de um vulcão.

Antonius

NUVEM SONHADORA

NUVEM SONHADORA

Como te invejo nuvem altaneira
Que caminhas suave no teu deslizar
Do peregrino matizada vieira
És sombra esquecida, fresta de luar.


Como te invejo crepuscular donzela
Buscando o meu querer no grito do mar
Sugeres-me da noite ser sentinela
Do amor maior que tenho para dar.


Fogosa, não há para ti fronteira
Por isso és livre no teu adejar
Do homem cansado tu és a esteira
Deixa que é tempo de ele descansar.

Sê doce e meiga, pressa não tenhas
Procura o teu ímpeto dissimular
A sede que tens, no bom senso a retenhas
Olha que é tempo de ele descansar

Antonius

NEM SEMPRE A RAZÃO

NEM SEMPRE A RAZÃO


Albufeira poderosa

De minhas energias ditadora

Ressoa dentro de mim

Força impiedosa

De mil sonhos portadora.

Feita senhora do meu querer

Tantas vezes fonte do meu sofrer

Mas mais ainda assim o quero

Razão do meu viver.

Quimérica dualidade

No meu pensar se passeia

Divagando, perambulando

Ora aprontando-me o norte

De luzente presságio anunciadora

Ora outra sorte me ditando

De novos desígnios senhora

Na incerteza me deixando.

Por incúria ou intenção

Tensa nas horas mortas

Eu deixo a força à razão

Mas mais ainda ao meu impulso

À força incontornável da emoção.


Antonius

JOCOSIDADES

Jocosidades

Gostava de ser poeta
Mas um poeta galante
Cantasse minhas mágoas
Mas com palavras certas
Assertivo, bem falante,
Instável nas minhas andanças
Qual cigano errante.

Se assim eu fosse poeta
Cantando alegrias e dores
Não esqueceria nunca os meus amores
E porque de espírito alerta
Teria a certeza certa
De levar o meu projecto avante

Se eu fosse poeta
Sim, se fosse deveras poeta
Eu tinha um dizer escorreito
Às palavras capaz de dar cônscio jeito.
De ambição dilecta
Conheceria os vinhos de Alicante
Não menos o torrão dessas bandas
E claro os conventuais de Amarante

Mas para que eu fosse poeta
Teria que ter a mente aberta
Entusiasta no meu labor
Amante da noite, sonhador
Imaginação transbordante
Ter um sonho na alma
Não temer nunca levar a palma
E mesmo não sendo poeta
Ter dele a Aura

Mas de repente
Metanóia não sonhada
Faz-se-me luz na mente
Não, eu não sou poeta
Mas mora-me um poeta na alma.

Antonius

INESPERADA VISITA

          INESPERADA VISITA


Se bem penso, nem só para o amor, o eufórico, o lúdico, o humorístico, o sensual mais ou menos ousado, existe este site. Também nele há ou deve haver lugar, assim julgo para a alusão – já que de canto não é fácil nele honra-lo – para o profundamente sofrido, já que a dor é inerente à humana condição. Por isso que ninguém se escandalize por uma curta viagem pelo patético da vida. 
O tema que nesta hora acorda em mim mexe com o mais profundo da raiz humana, rasgando em lúgubre transversal toda a sua natureza, enraizando no corpo e volatilizando-se no espírito. È patético - repetimo-lo - o tema, mas ao mesmo tempo arrebatador, na medida em que interfere, integral, nas profundas do nosso ser. Há um certo pudor, não sei bem se medo, um certo respeito – não sei se é o termo correcto -  por o leitor. Mas uma réstia de coragem ou ousadia, ou despudor, desafia-me a abrir e com determinação a porta e a entrar com desassombro na matéria que hoje – não sei se por estar um dia de acentuada intempérie me sinto desafiado a abordar.
Sem me considerar poeta, ouso defender que considero o assunto rotundamente susceptível de ser tocado, porventura cantado.
Era um imenso e aparente relvado com árvores que até davam fruto, de premeio. Ao centro uma pequena colina da qual se dominava o verde prado. Fomos para ali conduzidos num anúncio de surpresa da guia do grupo já que identificar a visita poderia ser desestimulador para alguns. Uma vez postados na colina, espraiado o olhar pela distância como quem busca apetitosa novidade, os nossos olhos vão-se aproximando das imediações da colina e é então que se apercebem da natureza do lugar. Aqui e além, mas como por inusitada magia cada vez mais próximas, uma e outra e depois outra e, afinal, um sem fim de cruzes a salpicarem o relvado. Aqui, além e mais além, uma simples flor. Está desfeito o mistério. É um cemitério, não à maneira dos nossos.
Ali tudo era simples, igual, não havia distinção de classes. Os que ali repousavam tinham a mesma idade, mais ano menos ano (dezanove a vinte e um anos) e para ali foram levados numa mesma época, a da brutal segunda grande guerra. Eram militares alemães os que ali jaziam, aqueles cujos corpos jovens foram entregues há cerca de sessenta anos às leis implacáveis da terra-mãe. Sim por estranho que possa parecer e explicação não nos foi dada e também não a descortino, eram militares alemães. Isto em terras da Normandia, terras da nação Francesa, naturais inimigos da nação Alemã. Perpassou por mim e decerto por outros, um acolhedor sentir, quase ternurento. Surpreendeu-me que fosse dada aquela dignidade a jovens militares da grande nação inimiga. Não tive lágrimas. Estas imaginei-as nos olhos daqueles que foram pais desta juventude brutalmente sacrificada na flor da idade. Neste instante escutei distante – tive essa ilusão, eu sei – uma melodia que me é profundamente cara e que me toca a alma em determinados momentos. É uma canção de Marléne Dietrich que de algum modo canta a tragédia desta guerra e lhe é contemporânea. Então os meus olhos, eles mesmos vertem lágrimas que me fazem sentir no mais esconso da alma que existe uma resposta para este drama. Os sentimentos que remanesceram em mim remeteram-me durante algum tempo a um silêncio que me fez viajar por um inexplicável mundo caldeado na dor, na violência desfeita em humanidade, numa estranha paz interior, na saudade.

Antonius