Pensamento...

A vida é uma janela que se abre no sem fim do Tempo.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

NOITES DA MINHA TERRA



Apetece-me ir às noites da minha terra, ver a lua e o tremular das estrelas, algumas que pelos vistos não existem já. (Isto de eu ver uma coisa que não existe faz-me confusão). Gosto de ver aquelas muito escassas luzes descerem a montanha da banda de lá do rio (era um ou outro carro na estrada da Lixa).
Como fico deslumbrado ao pegar no meu candeeiro a petróleo e recolher-me ao meu quarto – levava comigo a luz preciosa que me alumiava e ajudava a estudar a lição do dia seguinte.
Como, vendo já mal, eu via na noite e me conduzia sem apêndices nascidos da inteligência humana. Esta não era precisa, bastava-lhe uma réstia para que o essencial acontecesse, os filhos se fizessem e nada obstasse a que os bacorinhos nascessem, as aves chilreassem e as arvores crescessem indiferentes à quietude da noite.

A esta hora não há mulheres a catarem os piolhos à porta de casa. A propósito: dizem que estes parasitas têm um pénis monumental (para o seu tamanho, é claro).

Noutro dia o Zé Melro, que já tem catorze anos, disse-me ao ouvido: a tua vizinha Esmeralda é boa como milho. Hoje depois do jantar ela foi a nossa casa falar do seu exame. A minha mãe fez um comentário simpático, porque ela ia bem arreada, com meias de nylon e sapatos de tacão. Sentada na nossa preguiceira, a certa altura cruza as pernas, ao mesmo tempo que lhe sinto o roçar, que me fez estremecer. Não entendi logo o que se passou comigo mas que me recordou aquele comentário do Zé Melro. Então estremeci mesmo e a partir desse dia também eu fiquei ciente de que a Esmeralda era mesmo boa.

Nesta noite está acontecer um milagre na minha casa. Aquilo a que chamam rádio está a dar música que eu nunca ouvi e noticias, que são da guerra. Ninguém na aldeia tem um aparelho destes e que, pelo que diz o meu pai, só funciona graças a um fio que o liga à bateria do carro. Não sei como é que a música e as notícias correm por aquele fio. Este mundo deve estar doido.

Na hora de deitar chego à janela e na escuridão total distingo a linha que separa o céu das montanhas do Marão. Ao atentar nela recordo-me de que foi a minha avó Deolinda que uma noite me chamou a atenção para esta linha e me fez olhar a lua com olhos de ver. Recordo esse tempo com saudade e ao lembrar-me da velhinha da minha avó, fico a perguntar-me, com um sentir quase sacrílego, sobre se também ela algum dia despertou em algum rapaz do seu tempo sentimentos como os que acordaram hoje em mim para a Esmeralda. Claro que sim. Mas … eu acho que esta noite vou sonhar com a Esmeralda.


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