Violinista sonhador
José Refinado é 2º violino da Orquestra Filarmónica do Porto, e é com verdadeira paixão que se desempenha do seu artístico mister. Não raras vezes quase se sente saído da realidade no encantamento que lhe chega dos sons agudos do seu próprio violino. Dir-se-á que chega a deslumbrar-se consigo mesmo, com aquilo de que é capaz, perguntando-se com frequência porque não foi ainda promovido a 1º violino.
Hoje dia 5 de Outubro e comemorando a Republicana data, há concerto na Igreja da Lapa, acontecimento que, como sempre, toma conta do pensamento de José Refinado.
A dada altura do concerto, em plena execução da serenata de Schubbert , no decurso de um agudíssimo si-bemol, José Refinado sente que o arco do violino se lhe solta da mão e sobe serenamente pelo escuro da noite, num céu que se lhe evidencia para além do concreto da cúpula da igreja.
O músico sente-se planar num mundo estonteantemente belo e o arco do violino lá segue a sua rota até que incrível toca na lua prodigiosamente cheia. Desfazendo-se esta num mundo de cor e de sons que inebria a alma do primoroso executante. Realizado este prodígio que o desconcerta, o ousado e transgressor arco do violino volteia e revolteia em torno da miríade de luzes em que a Lua se desfizera, regressando como uma flecha na direcção do inseparável instrumento.
Neste instante o estridente bater da batuta do maestro no respectivo cavalete, trás José Refinado ao real, permitindo-lhe ainda escutar o único som da orquestra inteiramente desfasado do rigor da partitura, o do si-bemol do seu próprio violino, que teria andado pelas nuvens. O esgar com que é olhado pelo maestro em desaprovação não deixa de prevenir o dedicado violinista de que a sua promoção não está para já.
Antonius
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